28 de outubro de 2009

Rasga o que te esconde
Deixa-me entrar no que me encanta

Simplesmente
Oferece-me a ti

9 de agosto de 2009

Peça para ninguém






Escrevi esta peça
Sem palavras
Encenei-a
Sem palco
Num silêncio
Só meu
Abri
Fechei o pano
Não ouvi palmas
Só soluços
Eram os meus
Os do desengano

8 de agosto de 2009

Esta saudade
Tolhe-me
Esta vontade de morrer
Acolhe-me

6 de agosto de 2009

Nada é impossível de mudar

Bertolt Brecht

Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.

...

Parei-me inteira
neste monte de pó
que o meu sopro
sem ar não varre...
Tombei-me neste vazio
sombrio e frio
coberto de dor
e saudade...

30

António Franco Alexandre

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.

8 de julho de 2009

Pedaços de mim

Parti-me em bocadinhos tão pequenos...
Agora, quero colar-me e não consigo

23 de abril de 2009

Estreia da peça (A)tentados, de Martin Crimp

Meus caros,

Organizem as vossas agendas!!! Nos dias 15, 16, 22 e 23 de Maio, pelas 21.30h, a Máscara Solta - Grupo de Teatro da Faculdade de Letras fará as suas primeiras apresentações em 2009!

Contamos com a vossa presença! Precisamos do vosso apoio e entusiasmo! Pela Arte, pelo Teatro, pela Máscara Solta!

Local: Panmixia, Associação Cultural - CACE Cultural
Rua do Freixo, nº 1071
4300-219 Porto

(Importante: tem parque de estacionamento)


Cláudia Consciência

20 de março de 2009

A fatilidade

António Botto

A fatalidade,
Várias vezes
No meu caminho aparece;
Mas,
Não consegue perturbar
A minha serenidade.

Somente,
No meu olhar,
Poisa e fica mais tristeza.

Não me revolto,
Nem desespero.

- Quero morrer em beleza.

Desleixo

Com o que vivo
Me engano
Porque te amo?
Com o que me negas
Padeço
Porque não te esqueço?
Não te deixo
Já nem me queixo
Amar-te
É tão simplesmente
O meu desleixo

Daniel Jonas

"O corpo está com o Rei"

Escrevo para me esvaziar de mim.
A cuspo. Para me libertar das musas.
De um sabor imperial. Dos meus órgãos
calçados com planisférios.
Escrevo para que te apaixones
Pelo que pareço e não pelo que sou;
O meu inteiror é horrível e degradante
e eu por fora um límpido sorriso de candelabros.
Eu sou perigoso. A minha língua é azul.

10 de março de 2009

Desejo enjaulado

Cláudia Consciência




Meu amor
por mim vais ser devorado
achei as sete chaves que soltam
o meu desejo enjaulado

Pedaço

Cláudia Consciência


Cada pedaço teu
É tão meu
Que me sinto tu
Deixo de ser eu

9 de março de 2009

Sin-ismo

Projecto imaginário e heteroutópico

Caríssimos,

Sin-ismo está quase, quase a nascer!
Aguardem...impacientemente!

Despojos

Cláudia Consciência
Despojei-me
Vomitei as entranhas
Saí de mim
Procurei-te
Só encontrei os despojos
Que para trás deixei

Entrei de novo em mim!

7 de março de 2009

Alienação

Cláudia Consciência
Alimento-me de ti
Pedaço a pedaço
Naco a naco
Alieno-me
Como da tua carne
Tenra
Bebo do teu sangue
Doce
Estou sôfrega
Neste repasto de prazer
Quero-te em mim
Todo
E de tanto te querer
Nem me quero mais!

Com o teu amor…

Cláudia Consciência

Com o teu amor
Aqueço-me nua
Dispo-me de mim
A minha pele é a tua

24 de fevereiro de 2009

(A)tentados, de Martin Crimp


A Máscara Solta - Grupo de Teatro da Faculdade de Letras está de volta e bem presa à vontade, ao empenho, à criatividade e ao compromisso de quem a colocou...como eu!

(A)tentados, de Martin Crimp, é a peça escolhida. Trata-se de um texto composto por 17 cenas independentes, que tenta abarcar vivências, frustrações, desesperos e identidades de uma personagem de ficção. Pretende-se pois (re)questionar o ciclo de vida do ser humano no final de século, confundindo o essencial com o supérfluo, o milenar com o inovador, a publicidade com o terrorismo, o genocídio com a política, a xenofobia com a ironia e a dor com o humor.

Martin Crimp é um dos mais criativos dramaturgos ingleses contemporâneos que não teme subverter, provocar e desconcertar, combinando o vazio e a desolação do surrealismo de S.Beckett, a humanidade mundana, porém incompreensível de H.Pinter e o experimentalismo na forma de Caryl Churchill.

Posso adiantar que já estamos em fase de ensaios, com a preciosa orientação do encenador João Melo.

Atenção que a estreia é para breve...muito breve...num teatro ou numa faculdade perto de ti!

18 de fevereiro de 2009

No te salves

Mario Benedetti

No te quedes inmóvil
al borde del camino
no congeles el júbilo
no quieras con desgana
no te salves ahora
ni nunca
no te salves
no te llenes de calma
no reserves del mundo
sólo un rincón tranquilo
no dejes caer los párpados
pesados como juicios
no te quedes sin labios
no te duermas sin sueño
no te pienses sin sangre
no te juzgues sin tiempo

pero si
pese a todo
no puedes evitarlo
y congelas el júbilo
y quieres con desgana
y te salvas ahora
y te llenas de calma
y reservas del mundo
sólo un rincón tranquilo
y dejas caer los párpados
pesados como juicios
y te secas sin labios
y te duermes sin sueño
y te piensas sin sangre
y te juzgas sin tiempo
y te quedas inmóvil
al borde del camino

y te salvas
entonces
no te quedes conmigo.

9 de fevereiro de 2009

O Amor adora as palavras...

...mas, por vezes, quer amar em silêncio.

Quero escrever o borrão vermelho de sangue

Clarice Lispector

Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

4 de fevereiro de 2009

Há dias em que me sinto assim...

Caminho para o fim

Cláudia Consciência

Não me sinto
Não sei o que me resta
Sovei-me
Com os espinhos afiados dos meus medos
Enterrei-me
Nos buracos mais profundos da minha infelicidade
Feri-me, sangrei
O meu corpo é escravo
A minha alma submissa
De quem nunca encontrei
Cansei-me, desfaleci
Olho-me com as lágrimas que caiem
Não me sinto
Não sei o que me resta
Não vejo princípio
Só fim
É este o meu castigo
É esta a minha penitência
Não há mais caminho para mim!

Depois da cinza morta destes dias

Sophia de Mello Breyner Andresen

Depois da cinza morta destes dias,
Quando o vazio branco destas noites
Se gastar, quando a névoa deste instante
Sem forma, sem imagem, sem caminhos,
Se dissolver, cumprindo o seu tormento,
A terra emergirá pura do mar
De lágrimas sem fim onde me invento.

Branco negro

Cláudia Consciência

Escrevi-te uma carta em branco
Não a lês com os olhos
Só com a alma

Escrevi-te uma carta em branco
Porque gastei todo o negro
Para me pintar por dentro

É triste ir pela vida

Ruy Belo

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro

3 de fevereiro de 2009

Tábuas minhas

Cláudia Consciência

Balanço-me num vazio sem fim
Ao som desta música silenciosa
Os meus olhos só vêm negro
As minhas mãos tocam no nada
O meu corpo não acorda
Pela minha alma fui abandonada
Tenho tempo
Muito tempo
Um tempo perdido
Só a mim oferecido
Sei que lugar é este
Sei o que me aconteceu
Sei porque estou aqui
É esta a minha eterna morada
Feita de tábuas
E de mim!

2 de fevereiro de 2009

Ninguém me venha dar vida

Cecília Meireles

Ninguém me venha dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que não tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferida,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser
e não me quero encontrar,
que estou dentro de um navio
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.
Corações por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e corais.
Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço
que só quis a quem não quis.

Instante eterno

Cláudia Consciência

Dá-me um instante eterno
Dá-me uma parte tua
Aquece-me o corpo
Veste-me a alma
Despeja em mim o que és
Sem ti, sinto-me nua

Para quem eu amo

Eugénio de Andrade

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Estranho Amor

Cláudia Consciência
Estranho amor este
Estranha dor que me faz sentir
Trespassa-me, devora-me
Sedenta de carne e sangue
Estranho amor este
Estranha dor esta
Que me suga a alma
Mas mantém viva
Estranho amor este
Que só eu conheço
Estranha dor esta
Que só eu sinto
Que me tortura com tudo
Me baralha com nada
Mas não é estranho este amor
Não é estranha esta dor
Estranha sou eu
Que me alimento do que me mata!

Da alma e de quanto tiver

Luís de Camões

Da alma e de quanto tiver
Quero que me despojeis,
contanto que me deixeis
Os olhos para vos ver

Âmago da dor

Cláudia Consciência


O meu corpo sangra
Mas cura
A dor na minha alma
Essa perdura...

Meu Deus, me dê a coragem

Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

Alma minha

Cláudia Consciência
Que mal é este que não tem cura?
Que pesadelo é este que me tortura?
Será somente a minha estranha loucura?

Queria eu ter uma alma que não sente
Queria eu ter uma alma que não dói
Mas esta que tenho sente
Esta que tenho dói-me imensamente
Morro cada vez que sinto
Morro mais ainda cada vez que sofro
Tudo em mim se rompe
Tudo em mim se rasga violentamente
Que sobrará de mim?

A minha alma, certamente!

O que me dói não é

Fernando Pessoa

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

1 de fevereiro de 2009

Silêncio!

Cláudia Consciência

Cerra os teus lábios
Não te oiço
Sou surda às tuas palavras
Inundadas de verdades falsas
Alagadas de sentimentos não sentidos
Banhadas de um podre que fede
Afogo-me nesse teu falso mundo
Não sei nadar no mar vazio que te rodeia
Cala-te!
Coso-te a boca para não mais te ouvir
Quero o silêncio da verdade
Venham as palavras
Mas não as tuas
Quero a pureza dos sentimentos
Preciso deles
Não de ti!

Poema

Mário Cesariny

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Homem transportando o cadáver de uma mulher

Almada Negreiros

Quis-te tanto que gostei de mim!
Tu eras a que não serás sem mim!
Vivias de eu viver em ti
e mataste a vida que te dei
por não seres como eu te queria.
Eu vivia em ti o que em ti eu via.
E aquela que não será sem mim
tu viste-a como eu
e talvez para ti também
a única mulher que eu vi!

Amor salgado

Cláudia Consciência

Sinto-nos corpos e almas separados
Se não nos queres
Dá-me a tua ausência
Tira-me a dor da tua existência
Esta dor que fermenta
Que me alaga o rosto
Me salga por dentro
Esta dor feita de amor
Um amor cego
Que me cobre de tormento
Dá-me a tua ausência
Tira-me a dor da tua existência
Direi-me que te foste
Com a voz de quem tem amado sozinha
Não quero mais este sabor
De amor salgado
Quero abrir os olhos
Quero ver-me de novo!

Pele

David Mourão-Ferreira

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser pele da minha pele

Sem retorno

Cláudia Consciência

Não tenho pressa de me deixar
Quero ficar
Mas não posso
Ela tem pressa de me levar
O relógio corre
O meu tempo morre
Não tenho pressa
Não quero partir
Peço-te
Não me deixes ir

Se me for, não volto!

Vontade de dormir

Mário de Sá-Carneiro

Fios de oiro puxam por mim
a soerguer-me na poeira —
Cada um para seu fim,
Cada um para seu norte...
.....................................................................

— Ai que saudade da morte...

.....................................................................

Quero dormir... ancorar...

.....................................................................

Arranquem-me esta grandeza!
— P’ra que me sonha a beleza
Se a não posso transmigrar?...

Bofetada ao (i)Mundo

Cláudia Consciência

Conheço-te tão bem
Sei a cara que tens
Sei a que cheiras
Sei o que fazes
És tão feio
Tão porco
Tão mau
Conheço-te tão bem
E quanto mais te conheço
Mais de mim gosto
De ti desisto
De mim preciso-me
Cada vez mais!

Fanatismo

Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”

29 de janeiro de 2009

Eternidade

Cláudia Consciência

Vagueio-me em ti
É de madrugada
Estás tão escura
Estou tão só
Gela-me este vento forte
Que me sova o corpo
Entranha-se em mim esta chuva fria
Que me afoga a alma
Ouço passos pesados, silenciosos
Os meus…
A rua está tão vazia
Como eu
Olho em redor
Tudo mudou
Eu mudei
Onde se esconde a minha outra vida
O meu outro mundo
O meu outro eu?
Porque me perdi?
Estou tão cansada
Sinto tanto frio
O meu coração está desfeito
A minha alma são meros pedaços de mim
Recuso-me
Quero partir
Meu amor, encontro-te na eternidade
Espera-me!

17 de janeiro de 2009

Soneto do amor total

Vinicius de Moraes

Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

14 de janeiro de 2009

Fome de amor

Cláudia Consciência

Bate as asas de condor
Meu amor
Voa para mim
Tenho pressa de nós
Tenho fome de ti
Quero saborear-te
Como já te saboreei
Ainda sei o sabor que tens
Do tanto que te provei
Este amor é devorador
Não sobrevive da saudade
Volta, meu amor
Devolve-me à vida
Devolve-me a ti
Mata esta fome
Que me mata a mim!

6 de janeiro de 2009

Se as palavras são mudas...

“Pictures are what will stop the war.”
(Brian De Palma)



Interrogação

Camilo Pessanha

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.

Maldita tormenta

Cláudia Consciência
Triste esta tristeza
Que no meu coração pousou
E a ele se acorrentou
Livra-me desta tormenta
Enquanto sinto vida em mim
Escassa
Escorregadia
Que me escapa cada dia

Porque demoras?
A vida foge-me…
Mata-me…

Meu amor, já vens tarde
A maldita tormenta venceu-nos
Do que foi teu não resta nada!

5 de janeiro de 2009

Soneto de amor

José Régio

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

Alma livre

Cláudia Consciência

Maldito corpo
Que me aprisionas
Renego-te
Não quero ser tua
Não quero que sejas meu
Rasgo-te por dentro
Quebro-te por fora
Liberto-me!
Brindo a ti
Com um cálice de sangue
Que não é o meu
Limpo-me desta massa de sobras
Que não são as minhas
Sou uma alma livre!

4 de janeiro de 2009

Quanto de ti, Amor...

Jorge de Sena

Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor que nos traiu
Quanta traição existe em possuir-se a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na auséncia indestrutível que
nos faz ser um no outro
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.