24 de fevereiro de 2009

(A)tentados, de Martin Crimp


A Máscara Solta - Grupo de Teatro da Faculdade de Letras está de volta e bem presa à vontade, ao empenho, à criatividade e ao compromisso de quem a colocou...como eu!

(A)tentados, de Martin Crimp, é a peça escolhida. Trata-se de um texto composto por 17 cenas independentes, que tenta abarcar vivências, frustrações, desesperos e identidades de uma personagem de ficção. Pretende-se pois (re)questionar o ciclo de vida do ser humano no final de século, confundindo o essencial com o supérfluo, o milenar com o inovador, a publicidade com o terrorismo, o genocídio com a política, a xenofobia com a ironia e a dor com o humor.

Martin Crimp é um dos mais criativos dramaturgos ingleses contemporâneos que não teme subverter, provocar e desconcertar, combinando o vazio e a desolação do surrealismo de S.Beckett, a humanidade mundana, porém incompreensível de H.Pinter e o experimentalismo na forma de Caryl Churchill.

Posso adiantar que já estamos em fase de ensaios, com a preciosa orientação do encenador João Melo.

Atenção que a estreia é para breve...muito breve...num teatro ou numa faculdade perto de ti!

18 de fevereiro de 2009

No te salves

Mario Benedetti

No te quedes inmóvil
al borde del camino
no congeles el júbilo
no quieras con desgana
no te salves ahora
ni nunca
no te salves
no te llenes de calma
no reserves del mundo
sólo un rincón tranquilo
no dejes caer los párpados
pesados como juicios
no te quedes sin labios
no te duermas sin sueño
no te pienses sin sangre
no te juzgues sin tiempo

pero si
pese a todo
no puedes evitarlo
y congelas el júbilo
y quieres con desgana
y te salvas ahora
y te llenas de calma
y reservas del mundo
sólo un rincón tranquilo
y dejas caer los párpados
pesados como juicios
y te secas sin labios
y te duermes sin sueño
y te piensas sin sangre
y te juzgas sin tiempo
y te quedas inmóvil
al borde del camino

y te salvas
entonces
no te quedes conmigo.

9 de fevereiro de 2009

O Amor adora as palavras...

...mas, por vezes, quer amar em silêncio.

Quero escrever o borrão vermelho de sangue

Clarice Lispector

Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

4 de fevereiro de 2009

Há dias em que me sinto assim...

Caminho para o fim

Cláudia Consciência

Não me sinto
Não sei o que me resta
Sovei-me
Com os espinhos afiados dos meus medos
Enterrei-me
Nos buracos mais profundos da minha infelicidade
Feri-me, sangrei
O meu corpo é escravo
A minha alma submissa
De quem nunca encontrei
Cansei-me, desfaleci
Olho-me com as lágrimas que caiem
Não me sinto
Não sei o que me resta
Não vejo princípio
Só fim
É este o meu castigo
É esta a minha penitência
Não há mais caminho para mim!

Depois da cinza morta destes dias

Sophia de Mello Breyner Andresen

Depois da cinza morta destes dias,
Quando o vazio branco destas noites
Se gastar, quando a névoa deste instante
Sem forma, sem imagem, sem caminhos,
Se dissolver, cumprindo o seu tormento,
A terra emergirá pura do mar
De lágrimas sem fim onde me invento.

Branco negro

Cláudia Consciência

Escrevi-te uma carta em branco
Não a lês com os olhos
Só com a alma

Escrevi-te uma carta em branco
Porque gastei todo o negro
Para me pintar por dentro

É triste ir pela vida

Ruy Belo

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro

3 de fevereiro de 2009

Tábuas minhas

Cláudia Consciência

Balanço-me num vazio sem fim
Ao som desta música silenciosa
Os meus olhos só vêm negro
As minhas mãos tocam no nada
O meu corpo não acorda
Pela minha alma fui abandonada
Tenho tempo
Muito tempo
Um tempo perdido
Só a mim oferecido
Sei que lugar é este
Sei o que me aconteceu
Sei porque estou aqui
É esta a minha eterna morada
Feita de tábuas
E de mim!

2 de fevereiro de 2009

Ninguém me venha dar vida

Cecília Meireles

Ninguém me venha dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que não tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferida,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser
e não me quero encontrar,
que estou dentro de um navio
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.
Corações por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e corais.
Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço
que só quis a quem não quis.

Instante eterno

Cláudia Consciência

Dá-me um instante eterno
Dá-me uma parte tua
Aquece-me o corpo
Veste-me a alma
Despeja em mim o que és
Sem ti, sinto-me nua

Para quem eu amo

Eugénio de Andrade

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Estranho Amor

Cláudia Consciência
Estranho amor este
Estranha dor que me faz sentir
Trespassa-me, devora-me
Sedenta de carne e sangue
Estranho amor este
Estranha dor esta
Que me suga a alma
Mas mantém viva
Estranho amor este
Que só eu conheço
Estranha dor esta
Que só eu sinto
Que me tortura com tudo
Me baralha com nada
Mas não é estranho este amor
Não é estranha esta dor
Estranha sou eu
Que me alimento do que me mata!

Da alma e de quanto tiver

Luís de Camões

Da alma e de quanto tiver
Quero que me despojeis,
contanto que me deixeis
Os olhos para vos ver

Âmago da dor

Cláudia Consciência


O meu corpo sangra
Mas cura
A dor na minha alma
Essa perdura...

Meu Deus, me dê a coragem

Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

Alma minha

Cláudia Consciência
Que mal é este que não tem cura?
Que pesadelo é este que me tortura?
Será somente a minha estranha loucura?

Queria eu ter uma alma que não sente
Queria eu ter uma alma que não dói
Mas esta que tenho sente
Esta que tenho dói-me imensamente
Morro cada vez que sinto
Morro mais ainda cada vez que sofro
Tudo em mim se rompe
Tudo em mim se rasga violentamente
Que sobrará de mim?

A minha alma, certamente!

O que me dói não é

Fernando Pessoa

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

1 de fevereiro de 2009

Silêncio!

Cláudia Consciência

Cerra os teus lábios
Não te oiço
Sou surda às tuas palavras
Inundadas de verdades falsas
Alagadas de sentimentos não sentidos
Banhadas de um podre que fede
Afogo-me nesse teu falso mundo
Não sei nadar no mar vazio que te rodeia
Cala-te!
Coso-te a boca para não mais te ouvir
Quero o silêncio da verdade
Venham as palavras
Mas não as tuas
Quero a pureza dos sentimentos
Preciso deles
Não de ti!

Poema

Mário Cesariny

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Homem transportando o cadáver de uma mulher

Almada Negreiros

Quis-te tanto que gostei de mim!
Tu eras a que não serás sem mim!
Vivias de eu viver em ti
e mataste a vida que te dei
por não seres como eu te queria.
Eu vivia em ti o que em ti eu via.
E aquela que não será sem mim
tu viste-a como eu
e talvez para ti também
a única mulher que eu vi!

Amor salgado

Cláudia Consciência

Sinto-nos corpos e almas separados
Se não nos queres
Dá-me a tua ausência
Tira-me a dor da tua existência
Esta dor que fermenta
Que me alaga o rosto
Me salga por dentro
Esta dor feita de amor
Um amor cego
Que me cobre de tormento
Dá-me a tua ausência
Tira-me a dor da tua existência
Direi-me que te foste
Com a voz de quem tem amado sozinha
Não quero mais este sabor
De amor salgado
Quero abrir os olhos
Quero ver-me de novo!

Pele

David Mourão-Ferreira

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser pele da minha pele

Sem retorno

Cláudia Consciência

Não tenho pressa de me deixar
Quero ficar
Mas não posso
Ela tem pressa de me levar
O relógio corre
O meu tempo morre
Não tenho pressa
Não quero partir
Peço-te
Não me deixes ir

Se me for, não volto!

Vontade de dormir

Mário de Sá-Carneiro

Fios de oiro puxam por mim
a soerguer-me na poeira —
Cada um para seu fim,
Cada um para seu norte...
.....................................................................

— Ai que saudade da morte...

.....................................................................

Quero dormir... ancorar...

.....................................................................

Arranquem-me esta grandeza!
— P’ra que me sonha a beleza
Se a não posso transmigrar?...

Bofetada ao (i)Mundo

Cláudia Consciência

Conheço-te tão bem
Sei a cara que tens
Sei a que cheiras
Sei o que fazes
És tão feio
Tão porco
Tão mau
Conheço-te tão bem
E quanto mais te conheço
Mais de mim gosto
De ti desisto
De mim preciso-me
Cada vez mais!

Fanatismo

Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”