29 de janeiro de 2009

Eternidade

Cláudia Consciência

Vagueio-me em ti
É de madrugada
Estás tão escura
Estou tão só
Gela-me este vento forte
Que me sova o corpo
Entranha-se em mim esta chuva fria
Que me afoga a alma
Ouço passos pesados, silenciosos
Os meus…
A rua está tão vazia
Como eu
Olho em redor
Tudo mudou
Eu mudei
Onde se esconde a minha outra vida
O meu outro mundo
O meu outro eu?
Porque me perdi?
Estou tão cansada
Sinto tanto frio
O meu coração está desfeito
A minha alma são meros pedaços de mim
Recuso-me
Quero partir
Meu amor, encontro-te na eternidade
Espera-me!

17 de janeiro de 2009

Soneto do amor total

Vinicius de Moraes

Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

14 de janeiro de 2009

Fome de amor

Cláudia Consciência

Bate as asas de condor
Meu amor
Voa para mim
Tenho pressa de nós
Tenho fome de ti
Quero saborear-te
Como já te saboreei
Ainda sei o sabor que tens
Do tanto que te provei
Este amor é devorador
Não sobrevive da saudade
Volta, meu amor
Devolve-me à vida
Devolve-me a ti
Mata esta fome
Que me mata a mim!

6 de janeiro de 2009

Se as palavras são mudas...

“Pictures are what will stop the war.”
(Brian De Palma)



Interrogação

Camilo Pessanha

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.

Maldita tormenta

Cláudia Consciência
Triste esta tristeza
Que no meu coração pousou
E a ele se acorrentou
Livra-me desta tormenta
Enquanto sinto vida em mim
Escassa
Escorregadia
Que me escapa cada dia

Porque demoras?
A vida foge-me…
Mata-me…

Meu amor, já vens tarde
A maldita tormenta venceu-nos
Do que foi teu não resta nada!

5 de janeiro de 2009

Soneto de amor

José Régio

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

Alma livre

Cláudia Consciência

Maldito corpo
Que me aprisionas
Renego-te
Não quero ser tua
Não quero que sejas meu
Rasgo-te por dentro
Quebro-te por fora
Liberto-me!
Brindo a ti
Com um cálice de sangue
Que não é o meu
Limpo-me desta massa de sobras
Que não são as minhas
Sou uma alma livre!

4 de janeiro de 2009

Quanto de ti, Amor...

Jorge de Sena

Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor que nos traiu
Quanta traição existe em possuir-se a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na auséncia indestrutível que
nos faz ser um no outro
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.